domingo, fevereiro 15, 2009

BRANCA

 

Assisti há cerca de 03 semanas na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, a adaptação da peça de Dias Gomes,” O Santo Inquérito”, batizada de “ Branca”. Impressionante pela força dramática e da beleza cênica,além do tema em si mesmo, a peça teve breve temporada de reapresentação,após turnê recentemente em festival de teatro na Espanha,com grande repercussão popular.

O grupo OCO  Teatro Laboratório, trabalhou intensamente na adaptação e pesquisa,cujo resultado vemos  no palco, costumes cristão-novos e judaicos bem retratados, na bela seleção da trilha sonora,que aumenta o impacto emocional e na intensa carga de interpretação, com toda certeza  muitas lágrimas foram derramadas ao meu lado. Nossos corações e mentes ficaram inquietos.

A peça "o Santo Inquérito", aborda o processo inquisitorial da Igreja Católica,em torno de Branca Dias, personagem sobre a qual existem algumas versões ,mas todas  em torno deste eixo :  uma cristã-nova portuguesa  que foge para o Brasil Colonial no século XVI. 

Dias Gomes (1922-1999), dramaturgo baiano, de grande projeção nacional, também enveredou pela teledramaturgia ( teve algumas novelas na Globo)  e possivelmente utilizou a temática para abordar metaforicamente  a questão da repressão política e de idéias vigentes em plena ditadura militar. Dias Gomes era de orientação esquerdista e soube aproveitar sua obra dramática para expressar seu pensamento. Quem acima de  40 anos não lembra de Odorico Paraguaçu ? Existe algum personagem que encarne melhor a canastrice dos demogógicos populistas latino-americanos ?  O dramaturgo Arthur Miller nos EUA também utilizou um tema histórico remoto para discutir o presente opressivo,no caso o macartismo e a paranóica perseguição aos supostos esquerdistas e comunistas,na peça  " As Bruxas de Salém", baseado no delirante perseguição a um grupo de jovens na Massachussets Colonial . Mas isto é outra história.

Não podemos deixar de pensar na questão da liberdade de pensamento e de expressão,o que torna a peça em certo sentido atemporal. Nem deixar de pensar  em como deve ter sido difícil manter-se judaizante no meio da loucura que foi a inquisição.

Das várias versões sobre Branca, a mais verossímil  relata o seguinte:  Proprietária de engenho,Branca Dias nasceu em Viana da Foz do Lima, Portugal, possivelmente em 1515. Seu marido, Diogo Fernandes, conseguiu terras às margens do rio Camaragibe, na Capitania de Pernambuco, onde instalou um engenho para produção de açúcar.  Antes de acompanhar seu marido, Branca Dias, que era cristã-nova, foi denunciada à Inquisição, por sua mãe e irmã (provavelmente após os " suaves" métodos  de interrogatório praticados então), de manter secretamente práticas judaicas, algo proibido em Portugal até meados do século XIX. Admitindo a acusação, e recebendo as penas dos inquisidores, foi liberada em 1545. Em 1551, já estava no Brasil, para onde veio com seus filhos, desobedecendo então  as leis que  limitavam o deslocamento de condenados pela Inquisição. Depois da morte de Diogo Fernandes, o engenho declinou. Branca Dias e suas filhas, abriram em sua casa à rua Palhares, em Olinda, Pernambuco, uma escola de prendas domésticas para meninas. Após sua morte, possivelmente em 1558, voltou a ser denunciada, desta vez por suas alunas, aos inquisidores que visitavam a cidade. Seus ossos então foram levados a Portugal, onde seriam então lançados  à  Fogueira na Praça do Rossio,em Lisboa.  Uma de suas filhas, Brites Fernandes, admitiu práticas judaicas. 

Outra versão,afirma que Branca Dias,foi processada enquanto vivia em Recife,tendo atirado toda sua baixela de Prata, em um lago existente em  seu Engenho. Este teria ficado cristalino devido ao prateado das peças de Branca,o povo então o denominou de " Açude do Prata", onde supostamente existe a casa de Branca, conhecida como Chalé do Prata. Nesta versão ,Branca foi condenada e levada à  Fogueira da Inquisição aqui no Brasil. Outros afirmam que ela tenha vivido na Paraíba. 

   Existe também uma música de Edu Lobo,cuja letra reproduzo abaixo; 

“     Branca Dias  ( Edu Lobo )

Esse soluço que ouço, que ouço
Será o vento passando, passando
Pela garganta da noite, da noite
A sua lâmina fria, tão fria
Será o vento cortando, cortando
Com sua foice macia, macia
Será um poço profundo, profundo
Alvoroço, agonia
Será a fúria do vento querendo
Levar teu corpo de moça tão puro
Pelo caminho mais longo e escuro
Pela viagem mais fria e sombria
Esse seu corpo de moça tão branco
Que no clarão do luar se despia
Será o vento noturno clamando
Alvoroço, agonia
Será o espanto do vento querendo
Levar teu corpo de moça tão puro
Pelo caminho mais longo e escuro
Pela viagem mais fria e sombria
Esse soluço que ouço, que ouço
Esse soluço que ouço, que ouço   “

Para saber mais:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Branca_Dias

Branca a caminho da fogueira: uma história que se repete

"Memórias de Branca Dias" no Teatro Sá de Miranda

Dias Gomes

Oco  Teatro Laboratório

Ficha Técnica Montagem  “ Branca

Versão Concepção e Direção. Luís Alberto Alonso.

Elenco. Andrea Mota, Diana Ramos, Mario César Alves, Rafael Magalhães e Virgílio de Sousa.

Pesquisa Histórico-Musical. Dévora Judith Arber.

Cenário. Julio César e Luís Alberto Alonso.

Figurino. Zuarte Jr.

Costureira. Clarice Pimentel.

Adereços e Humanização do figurino. Luiz Claudio.

Trilha Sonora. Luís Alberto Alonso.

Iluminação. Virgílio de Sousa e Luís Alberto Alonso.

Fotografia: Marcos Salgado.

Produção. Carranca Produções Artísticas Ltda.

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