


Idéias,livros,histórias,personagens e religião. O Judaísmo como Civilização.
TENDENCIOSO OU IGNORÂNCIA?
Prezados,
Foi publicada hoje, 20 de outubro de 2009, no jornal Correio Braziliense, uma “notícia” que ocorreu há cinco dias sobre a visita da atriz Mia Farrow (foto abaixo) à Faixa de Gaza.
A nota, titulada de “Faixa de Gaza”, faz referência à visita da atriz e ao sofrimento das crianças na Faixa de Gaza, a destruição das cidades etc. Mas é observem bem a foto. A maioria das pessoas ao verem esta notícia no Brasil não irá saber que a pessoa na foto ao lado de Mia Farrow é o Ministro da Previdência e Assistência Social de Israel, Isaac Herzog, mostrando à visitante um “acervo” de mísseis Kassam, recolhidos por Israel, que caíram em cidades israelenses causando morte e sofrimento aos cidadãos. Obviamente, isto não foi mencionado na nota.
Este é mais um exemplo pequeno dos desafios que encontramos aqui em se tratando de imprensa.
N.B.: A foto foi tirada no dia 15 e outubro de 2009 e não no dia 05 de outubro, como publicado. Porém, isso deve ter sido erro de digitação.
Atenciosamente,
Raphael Singer
Conselheiro
Embaixada de Israel
SES Av. das Nações Qd. 809 Lote 38
Tel: (61) 21050500 / 21050507 / 21050529
Fax: (61) 21050555
ÚLTIMO DOS JUSTOS
“Vemos as luzes das estrelas Mortas”. Assim começa o romance intrigante de André Schwarz-Bart (1928-2006), “ O Último dos Justos”, vencedor do maior prêmio da literatura francesa,o prêmio Goncourt em 1959. Schwart-Bart era judeu nascido na Polônia e teve toda sua família exterminada na loucura nazista ,sobreviveu miraculosamente ( destes milagres que necessitam do auxílio das pessoas comuns de boa fé ) e juntou-se a resistência polonesa,emigrando para França após a guerra. Durante 11 anos trabalhou no livro que mistura ficção e fatos históricos, abrangendo um período de 500 anos, em que acompanha a trajetória de uma família judaica e todo o sofrimento que a acompanha. Esta família é premiada com o nascimento de um justo em cada geração, um dos 36 justos que sustentam o mundo,conhecidos como Lamed-Vav. Através da trajetória da família, testemunhamos séculos de sofrimento imposto aos judeus, principalmente pelos seus vizinhos cristãos. A existência do mal, é percebida seguidamente pelos personagens que estão em busca da presença Divina. A história se inicia com um martírio na Inglaterra medieval e após peripécias de muitas gerações,acompanha a história de Ernie Levy, o “ ùltimo dos justos” do título. A obra é inteligentemente montada e nos remete ao mesmo tempo à reflexão e ao humor. Shwarcz-Bart teve seu romance aclamado mundialmente, mas retirou-se para vida privada, escrevendo apenas outro romance( " A Mulata Solidão " ) e algumas obras em parceria com sua esposa.
A biblioteca da SIB dispõe de 02 exemplares da edição dos anos 60 da obra,que foi recentemente reeditada.
Einstein descreveu em suas Notas Autobiográficas ,que recebeu lições religiosas dos 11 aos 12 anos de um familiar. Pela primeira vez na vida ele aprendeu sobre a fé judaica e a abraçou ao extremo: queria seguir o Kashrut e estudou a Bíblia com fervor,o que deve ter preocupado seus pais assimilados e não-religiosos. Este fervor no entanto durou pouco,assim que ganhou um livro de ciência, o entusiasmo inicial se dissipou. O resto da história conhecemos um pouco,sua notável carreira como cientista.
Einstein no entanto progressivamente reganhou um orgulho e respeito pela identidade judaica. Em 1914,ao se convidado a visitar a Rússia rejeitou,alegando que neste país “ os judeus são brutalmente perseguidos”. Logo descobriu que a herança judaica o definiria aos olhos dos europeus. Isto aumentou o seu orgulho de sua condição judaica. E embora tenha recebido muios ataques devido a sua condição de judeu,isto só fez aumentar seu orgulho e Einstein passou mais e mais a discutir assuntos judaicos e participar de campanhas sionistas. Embora sua relação com o judaísmo tenha se incrementado com o passar dos anos,nunca se tornou observante,porém declarou que se tivesse nascido nas pequenas cidades da Europa Oriental,teria se tornado um Rabino- os desafios intelectuais da tradição judaica o teriam satisfeito como fez a ciência. Aqui encontramos o encontro com o filósofo Judeu de origem português Baruch Spinosa ( 1632-1677),que Einstein declarou ser seu filósofo favorito. Ambos eram judeus respeitados ,educados e intelectualizados, e com treinamento na mentalidade científica. Os pontos de vistas de Spinoza sobre D'us atraiam Einstein: Em 1929 em resposta ao rabino Herbert S. Goldstein,de Nova York, escreveu “Acredito no D'us de Spinoza que se revela na Harmonia ordenada do que existe...” A ideia de D'us para Einstein era assim relacionada a de Spinoza. Spinoza não acreditava em um D'us pessoal,mas que a Natureza era Ela Mesma uma manifestação do Divino-um conceito conhecido como Panteísmo. Einstein às vezes era ambíguo sobre esta noção: “ Não sou um ateu,mas penso que não posso me denominar panteísta. Sou fascinado pelo panteísmo de Spinoza,mas admiro ainda mais suas contribuições para o pensamento moderno,porque ele foi o primeiro filósofo a lidar com a Alma e Corpo como uma coisa só e não duas”.
Para conhecer melhor este diálogo entre duas das maiores mentes judaicas de todos os tempos ( embora extremamente mal compreendidos),que estou ansioso para conhecer o livro “Deus ou seja Natureza”,do nosso amigo Roberto Ponczek,cujo lançamento se aproxima- 03 de setembro. Ponczek se debruçou por cerca de 06 anos para nos brindar com esta reflexão. Certamente Spinoza ganha uma importante oportunidade para esclarecer suas idéias e Einstein a de ser menos incompreendido. Um diálogo de amigos separados no tempo por 03 séculos,mas próximos na discussão de assuntos sobre D'us,o tempo e a natureza.
Certo dia colei um, adesivo com a bandeira de Israel no meu carro e uma amiga me disse que era “coisa de goy”. Na época fiquei meio desconsertado, mas mantive a bandeirinha. Hoje, quase 02 anos depois, apagada a bandeirinha, senti falta da mesma e refleti um pouco sobre o episódio. O quanto da identidade judaica na diáspora pode estar dissociado da existência do Estado de Israel? O pensador Judeu-britânico Isaiah Berlin era um defensor visceral da identidade judaica e se questionava do que adiantava se julgar judeu se isto não estiver aliado à defesa do direito de existência de Israel? Claro, que isto não implica na defesa do governo, que numa sociedade democrática, é transitório, como, aliás, deve ser.
Cito um trecho de o seu livro Poder of. Ideas: “O futuro dos Judeus reside no Estado de Israel. O valor da diáspora consiste somente, portanto, na quantidade de apoio que pode oferecer ao novo Estado, ainda confrontado com muitos perigos. Enquanto as comunidades judaicas fora de Israel servirem para apoiar Israel tem uma razão se ser.”.
Penso que a minha bandeirinha simboliza a disposição de cumprir tal razão de ser.
Encomendei outra.
FREUD E O JUDAÍSMO
Quatro grandes idéias influenciaram profundamente a cultura ocidental nos últimos 150 - A teoria da Evolução de Darwin, A Teoria da Relatividade de Einstein,Teoria Materialista da História de Karl Marx e a Psicanálise de Sigmund Freud. Três dos quatros pensadores eram judeus. Um deles com uma relação de auto-ódio com sua condição judaica, Karl Marx, outro orgulhoso da mesma e profundamente sionista, Einstein e por fim, Freud com sentimento por vezes contraditórios, de orgulho e tentando se equilibrar na corda bamba do assimilacionismo.
Sigmund Freud (1856-1939) nasceu em uma cidade da atual Moravia e cresceu e viveram 70 anos em Viena, então capital cultural e científica da Europa Central. Seus pais, cujas famílias eram provenientes dos Guetos da Galícia, se integraram aos numerosos Ostjuden vienenses. Os Ostjuden eram de prática ortodoxa. O Avô de Freud era rabino na Galícia. Porém o pai de Freud,não se sabe ao certo abandonou a prática religiosa. O jovem Freud, no entanto estudou hebraico e sua mãe se encarregou de transmitir os valores da cultura judaica, incluindo aí o humor e o uso do iídiche.
História pitoresca: Um jovem estudante de medicina encontra-se num bonde em Viena num dia de inverno,quando um cavalheiro vienense,resolve abrir as janelas do bonde, alardeando que o “cheiro se tornara insuportável” pela presença de um membro de um povo “estranho”. O jovem Freud veste a carapuça e inicia-se uma confusão no bonde em que o estudante defende ardorosamente sua condição e está disposto a chegar as vias de fato. Não foi um episódio isolado em sua vida. No inicío de sua carreira como médico, sua clientela era exclusivamente compostas pelos judeus vienenses e sua carreira acadêmica foi marcada pelo anti-semitismo. Para receber o tão sonhado título de Professor, passaram-se mais de 20 anos da sua graduação, os intelectuais e artistas judeus, embora todas as promessas de igualdade, tiveram uma luta árdua contra a discriminação, levando muitos, antes ardorosos talmudistas a assimilação.
Para Freud, apesar de todas as amarguras da condição de pertencer a um povo desprezado e perseguido, não superava a importante herança cultura e moral fornecido pelo judaísmo. Quando o pai de um de seus mais famosos pacientes, O Pequeno Hans, lhe questionou se não seria interessante converter seu filho ao cristianismo, Freud não apenas discordou da idéia, como alegou que tal atitude o “privaria de uma reserva enorme de experiências psíquicas”. No âmbito de sua vida pessoal, embora fosse secular, e se declarasse um “judeu sem Deus”, tinha lá suas superstições, principalmente envolvendo numerologia. Embora fortemente positivista daí sua tendência ao agnosticismo, suas raízes judaicas, deixaram marcas profunda. Não se sabe se teve contato com a corrente mística do judaísmo , a Kabbalah.
Mas sentimentos contraditórios levam Freud,a tentar “desjudaizar” sua ciência, a Psicanálise, inicialmente restrita a médicos judeus,sendo até chamada de “ciência judaica” . Aproxima-se de C. G Jung,com quem mais tarde rompe. Jung foi profundamente ligado ao nazismo,embora muitos dos seus simpatizantes tentem nega-lo. Mas isto é outra história. Durante toda vida, Freud foi membro da loja judaica Bnai Brit,com freqüência fazendo palestras e participando de suas reuniões. Em sua família,embora tentasse se desvencilhar da religião,manteve uma educação fortemente influenciada pelos valores judaicos. Quando da chegada dos Nazistas ao poder,um dos endereços logo vigiados foi a casa de Freud,e após pagamento de um resgate,o velho professor abandonou Viena,após 70 anos. Os Nazistas ,preocupados com a fama internacional de Freud,exigiram-no que assinasse uma declaração de que fora bem tratado. Freud,em um último lance de humor judaico, acrescentou que até “recomendaria o tratamento” . Em Londres,minado pelo câncer conclui o seu último livro,” Moisés e o Monoteísmo”,onde sem nenhuma base histórica,defende a tese da origem egípcia de Moisés. Para muitos foi a tentativa de aliviar sua angústia perante o crescente anti-semitismo e sua condição de viver em dois mundos-ser judeu e tentar ser universal.
Li recentemente o livro de Elie Wiesel, que retrata histórias dos mestres da Bíblia,do Talmud e do Hassidismo,cujo nome é o título deste post. Livro belissímo,muito instrutivo,mas ao mesmo tempo instigante,pois nos apresenta questionamentos e respostas,seguidas de novas perguntas. Um bom exercício intelectual acompanhar Wiesel por seus passeios.
Elie Wiesel,judeu nascia em uma pequena cidade de Sighet,hoje na atual Romênia,à época Hungria,em 1928, ainda menino foi levado ao campo de Concentração. A experiência é relatada no livro “ A Noite”,cuja leitura inquietante nos leva ao testemunho do Mal Encarnado e do quão sombrio o ser humano pode ser. O estraçalhamento das pessoas nos campos de morte nazistas,de seus mais básicos direitos,de sua humanidade. O coração e alma de Wiesel experimentam a “Noite”. Talvez o que algum místico tenha chamado a “ Terrível Noite da Alma “.
“ O Terror era mais forte que a fome” ,Wiesel escreve. Mais adiante relata- “ a Noite avançava. De todos os blocos,outros prisioneiros continuavam a afluir,capazes,repentinamente ,de vencer o tempo e o espaço,de submetê-los à sua vontade. ‘ O que és Tu,meu Deus’,eu pensava com raiva,” comparado a essa massa dolorida que vem gritar a Ti,sua fé,sua raiva,sua revolta ? O que significa Tua grandeza,Mestre do Universo,diante de toda essa fraqueza,diante dessa decomposição e dessa podridão ?” Por que ainda pertubar seus espíritos doentes,seus corpos enfermos ?”. E lamenta não apenas a dor da destruição física e moral, a ignomínia a que povo judeu foi submetido, mas ao extermínio de um modo de viver, a vida nos Sthetls da Europa Central e Oriental. “ A Noite”, é um livro de menos de 120 páginas muito denso e pesado. Ao tocar sua palavras sentimos a dor de quem escreveu.
Outro livro de Wiesel, “ Almas em Fogo”, relata a vida dos primeiros mestres do Hassidismo,suas histórias,sua devoção simples e apaixonada. Neste livro percebe-se ainda a dor da perda do modo simples de vida nas cidades e aldeias da Europa,sua alegria,mesmo em meio a repressão e desconfiança,que os cercava. Sentimos a saudade de Wiesel desta época.
Em “ Homens sábios e suas histórias”, encontramos um Elie Wiesel,mais leve,porém não menos desafiador. Inicia sua jornada com o maior comentarista da Bíblia,Rashi, que viveu no norte da França e na Alemanha. Um curioso caso de erudito não-profissional ( Rashi, vivia como vinicultor),que era um respeitado Rabino e grande mestre do judaismo. “ O que diz Rashi ? “, Wiesel se pergunta,quando estuda algum trecho difícil do Talmud ou da Bíblia. Ficamos sabendo também que após a guerra,Wiesel,continua seus estudos talmúdicos ,interrompidos pela Shoah,que passou semanas estudando um único versículo, até chegarem a compreensão do mesmo. E desfilam então vários personagens, Abraão,Sara e Agar,as disputas domésticas e a separação da família tentando evitar mais conflitos. Um midrash :os Irmãos Isaac e Ismael se reunem na tumba de Abraão: “ A União dos irmãos junto a sepultura paterna também nos recorda uma verdade que muitas gerações tendem a esquecer: Isaac e Ismael-ambos-são filhos de Abraão.” Outro momento,refletindo o episódio de Sodoma e Gomorra comenta ,rementendo fontes midráshicas,sobre o como a compaixão era uma afronta a lei destas cidades, e como uma moça foi punida por demonstrar compaixão por um estrageiro. Deus ouve o clamor da jovem “ sede meu Juiz e de Sodoma” “ Gosto de pensar que, quando uma vítima,qualquer vítima sente dor,Deus escuta. Quando uma pessoa,qualquer pessoa é torturada,Deus resolve fazer justiça “.
São perguntas e mais perguntas,belas e emocionante histórias,sempre novos questionamentos,olhamos o mesmo relato por tantos ângulos que saímos enriquecidos. Elie Wiesel sempre manteve como preocupação os temas do anti-semitismo e do genocídio,alertando as novas gerações os perigos que sempre rondam as civilizações e acabam em tragédias de proporções gigantescas. Comprometido com as causas do povo judeu,sempre apoiou ao Estado de Israel,envolveu-se no apoio aos imigrantes judeus etíopes,criando um centro educacional, a causa dos judeus da antiga União Soviética e mais recentemente luta contra o massacre em Darfur. Em 1986 Elie Wiesel é laureado com o Prêmio Nobel da Paz,após o qual estabelece a Elie Wiesel Foundation for Humanity com a missão de “ combater a indiferença, a intolerância e a injustiça”. Os esforços da fundação recentemente foram atrapalhados pela fraude envolvendo a Bernard Madoff Investment Securities,onde a fundação tinha cerca de 15 milhões de dólares investidos.
Para saber Mais:
Foto: Wiesel( a dir.) com Ytzhak Rabin.